Busca e Apreensão de Veículo – Entenda o procedimento

Antes de falar sobre o procedimento em si, vou contextualizar com um exemplo:

            José pretende comprar um carro de R$ 50 mil, mas somente possui R$ 20 mil. José procura o Banco “X”, que, lhe concede o crédito para comprar o carro, ou seja, lhe empresta o dinheiro, assim, temos um contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária.

            Ou seja, José ficará andando com o carro, com a posse, mas no documento, haverá a menção da propriedade, que é do Banco “X”.

            Neste artigo, vou explicar o procedimento da busca e apreensão, bem como as principais causas de nulidade do processo.

O procedimento de busca e apreensão

            A Busca e apreensão de veículo, conhecida como busca e apreensão em alienação fiduciária, é o procedimento do credor para a retomada do bem alienado, melhor dizendo, é o procedimento para retomada do bem dado em garantia.

            A grande vantagem para ambas as partes, é a possibilidade de um dinheiro mais barato, já que existe uma garantia para o dinheiro emprestado, contudo, na ocorrência do débito, o banco (credor), poderá retomar esse bem no processo de busca e apreensão em alienação fiduciária.

         Contudo, existem vários detalhes que devem ser observados nesse procedimento, sob pena de lesão ao direito do consumidor.

            O procedimento é disciplinado pelo Decreto Lei 911/69, bem como eventuais atualizações.

            Em regra, para que o banco proceda ao protocolo do processo, é necessário:

            – O débito por parte do cliente;

            – A constituição em mora;

            A constituição em mora é um ponto tão importante, que o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 72, que informa:

Súmula 72 do STJ: “A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.”

          A constituição ocorre com o envio de uma carta para o devedor, informando a existência do débito e a necessidade de pagá-lo.

         A grande celeuma versa sobre essa carta, pois o procedimento passou por uma série de atualizações, antes deveria haver o registro em cartório, e hoje não é mais necessário, basta o envio para o endereço do devedor, não sendo exigido sequer a assinatura do próprio devedor, basta que alguém do domicílio assine essa carta, entendimento corrente, como se verifica no julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, aqui repetido:

 

1. A notificação extrajudicial compõe elemento indispensável para a constituição em mora do devedor, configurando, por isso, pressuposto processual para o ajuizamento de ação de busca e  apreensão, razão por que cumpre à parte autora municiar a inicial com a prévia notificação da parte devedora. Súmula nº 72 do Colendo STJ. 2. Para fins de caracterização da mora do devedor, mostra- se suficiente que a notificação seja efetivamente entregue no endereço residencial constante no contrato, não sendo imprescindível o recebimento pessoal pelo devedor, bastando, para tanto, que a notificação seja recebida por terceiro.”

 Acórdão 1222132, 07243821720188070001, Relator: SIMONE LUCINDO, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 4/12/2019, publicado no DJE: 21/1/2020.

 

 

 

Caso essa notificação não logre êxito, ocorrendo o aviso “mudou-se”, “desconhecido”, ou algum comunicado nesse sentido, aí sim deverá ocorrer a constituição em mora via cartório, leia-se edital, entendimento pacífico na Jurisprudência, como se verifica:

 

AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. NOTIFICAÇÃO. AVISO DE RECEBIMENTO (AR). DEVOLUÇÃO. DEVEDOR “AUSENTE”. CONSTITUIÇÃO EM MORA. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VALIDO E REGULAR DO PROCESSO. EXTINÇÃO ACERTADA. PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO COM BASE NO TEMA 1.132.IMPOSSIBILIDADE. QUESTÃO SUBMETIDA A JULGAMENTO PELO STJ QUE NÃO DIZ RESPEITO À DISCUSSÃO HAVIDA NESTE RECURSO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA ORA AGRAVADA.AGRAVO INTERNO CONHECIDO. PORÉM DESPROVIDO. 1. É cediço que a mora, nos contratos de  alienação fiduciária, constitui-se ex re, ou seja, decorre do próprio inadimplemento, segundo disposições dos arts. 2º, §2º e 3º do Decreto-Lei n. 911/69. 2. No entanto, para a concessão da tutela referente à busca e apreensão de veículo, objeto de contrato com garantia de alienação fiduciária, é imprescindível a constituição em mora do devedor, mas que, na linha de posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, consolidado, inclusive, em sede de julgamento de recurso repetitivo, só se dá por meio de notificação extrajudicial enviada ao devedor, podendo ser remetido, até mesmo, por Comarca diversa do domicílio do devedor. 3. Compulsando os autos, entretanto, verifiquei que a notificação extrajudicial remetida ao endereço do devedor,  finalidade de constituir-lhe em mora, não foi entregue no respectivo endereço, conforme comprovam os documentos de fl. 90/92. No caso, a formalidade prevista em lei concernente ànotificação extrajudicial não restou cumprida, porquanto não foi recebida pelo devedor ou por qualquer outra pessoa, uma vez que a tentativa de entrega da correspondência voltou com a informação “ausente”. 4. Desta forma, não restou comprovada a mora do devedor, pois não houve a efetiva entrega do documento no destino. 5. Equivoca-se a parte agravante quando pretende a suspensão do processo em razão da discussão do TEMA 1.132, perante o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), em sede do qual o questionamento gira em torno da validade da notificação extrajudicial remetida ao endereço do devedor e, lá, tenha sido recebido por terceiro. Tema: “Definir se, para a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária, é suficiente, ou não, o envio de notificação extrajudicial ao endereço do devedor indicado no instrumento contratual, dispensando-se, por conseguinte, que a assinatura do aviso de recebimento seja do próprio destinatário.” 6. AGRAVO INTERNO CONHECIDO, PORÉM DESPROVIDO. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos do AGRAVO INTERNO nº 0277703-46.2021.8.06.0001/50000, em que é agravante AYMORÉ CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A e agravado FELIPE ALVES BARBOSA, acorda a 1ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Fortaleza, 21 de setembro de 2022. EMANUEL LEITE ALBUQUERQUE Relator.

(Agravo Interno Cível – 0277703-46.2021.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) EMANUEL LEITE ALBUQUERQUE, 1ª Câmara Direito Privado, data do julgamento:21/09/2022, data da publicação:23/09/2022)

 

 

 

      Quanto ao julgado acima, não restam dúvidas que o banco deve ter muita atenção no tocante a notificação do devedor, e caso a notificação não seja concluída, estamos diante de uma grande causa de anulação do processo de busca e apreensão.

 

      Mas eu não pretendo parar por aqui, eu quero ir além, eu quero entregar mais informação para você, pois eu entendo que o consumidor bem informado é uma fortaleza inabalável contra os abusos dos bancos.

 

Os principais mitos da busca e apreensão 

            Basicamente, existem três mitos que são repetidos a exaustão.

            O primeiro mito, versa sobre a desnecessidade do atraso de três parcelas para que o banco possa iniciar o processo, isso não existe. Com uma única parcela em atraso e a notificação em mora devidamente feita, o banco está juridicamente autorizado a protocolar o processo.

            O segundo mito versa sobre a negociação feita com o banco de um lado, e de outro o próprio banco protocola o processo de busca e apreensão. Muitas pessoas pensam, que pelo fato de manterem contato frequente com o banco, o processo não será protocolado, isso não existe. É como se fosse um jogo duplo, é indevido, mas infelizmente isso acontece, portanto, tenha muita atenção.

       O terceiro mito versa sobre o processo de revisão de juros obstar o processo de busca e apreensão, e mais uma vez, isso não existe. Ou seja, você pode ter protocolado um processo de revisão, e ainda assim, o banco pode entrar com o processo de busca e apreensão.

 

Como fazer uma boa defesa

            Uma boa defesa em processo de busca e apreensão, passa pela análise da taxa de juros cobrada no contrato, bem como na verificação da constituição em mora.

                      

            Vejamos, em regra, no Brasil, os bancos são livres para estipulares as suas taxas, contudo, existe um valor que deve ser o balizador, o norte disso, que é a Taxa Média de Mercado.

            A taxa média de juros de mercado é um cálculo feito pelo Banco Central e define o valor médio de todas as taxas de juros cobradas pelas diversas operações de crédito praticadas no mercado.

           

            As taxas são divididas por categorias, mês e ano, de forma que o parâmetro é a data da sua contratação, e se a taxa do contrato tiver uma variação considerável, é possível pleitear a descaracterização da mora e consequentemente a anulação do processo de busca e apreensão.

E se o banco entrar com o processo sem o contrato se encontrar em débito?

            Imagine a seguinte cena, você está com o seu contrato devidamente pago, e aparece um oficial de justiça na sua porta, com o mandado de apreensão do seu veículo.

           

            Muito embora essa situação seja absurda, saiba que as vezes acontece. É uma situação tão previsível, que o próprio DL 911/69, nos fornece a solução, vejamos

 

 

Art. 3o O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2o do art. 2o, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário.

(…)

§ 6o Na sentença que decretar a improcedência da ação de busca e apreensão, o juiz condenará o  credor fiduciário ao pagamento de multa, em favor do devedor fiduciante, equivalente a cinqüenta por cento do valor originalmente financiado, devidamente atualizado, caso o bem já tenha sido alienado.

§ 7o A multa mencionada no § 6o não exclui a responsabilidade do credor fiduciário por perdas e danos.

 

      Ou seja, se o banco se enganar, e o processo for julgado improcedente, o banco será condenado a pagar 50% do valor do contrato para o consumidor, além da possibilidade de indenização em processo autônomo.

       Espero que tenha gostado do conteúdo e compreendido os direitos dos consumidores no processo de busca e apreensão em alienação fiduciária.

 

 

 

 

 

 

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