É cada vez maior o número de consumidores que compram imóveis na modalidade multipropriedade, também conhecida como fração imobiliária.
Segundo dados da mídia especializada, em cerca de um ano, os imóveis nessa modalidade cresceram 17% no Brasil e movimentam R$ 28,3 bilhões, vide (https://imoveis.estadao.com.br/noticias/imoveis-multipropriedade-crescem-17-no-brasil-e-movimentam-r-283-bilhoes/)
Esse tipo de compra também pode ser denominada como compra emocional.
Imagine a cena, você está viajando para um local paradisíaco, de repente te abordam, oferecem um jantar completo, ou até mesmo um voucher, desde que você compareça a uma pequena reunião, e lá, você é apresentado a uma oportunidade única de negócio, onde você será dono de algo, na verdade, dono de uma fração de algo, e que isso será rentabilizado.
Em outras situações, sequer existe o evento, o voucher, você já é abordado diretamente com a proposta, aparentemente irrecusável, e você aceita.
Mas, entenda, existem opções aos consumidores para reverter isso.
Entendendo o sistema
A multipropriedade de imóveis é um novo modelo de aquisição e aproveitamento de bens imobiliários, disciplinada pela Lei 13.777, envolve uma espécie de investimento coletivo, em que cada investidor adquire uma parte da propriedade.
Com isso, cada pessoa pode usar o imóvel pelo tempo proporcional a quanto aporta inicialmente. É por isso que essa alternativa também é conhecida como time sharing.
Por exemplo, você compra uma cota ou uma fração de um quarto de um resort em Maceio – AL, assim, você terá direito a utilizar alguns dias por ano, e caso não utilize, poderá passar para terceiros, ou até alugar.
Posso desistir da compra?
Essa é a pergunta que muitos fazem após a compra, ou após alguns meses, mas a resposta é sim, existem situações onde é possível desistir da compra.
Existem situações onde o consumidor perde um percentual considerável, que são aquelas onde o imóvel é de fato entregue a tempo, mas existem outras, onde existe a possibilidade do distrato com a consequente devolução de todo o valor pago, bem como ser indenizado, ocorrendo quando o imóvel tem a entrega atrasada.
Desistência por Interesse do Consumidor
Um ponto que merece ser trazido, é sobre a multa a ser aplicada, pois sabemos que multas empresas cobram até 100%, ou seja, fica retido todo o valor pago, quando ocorre a rescisão por interesse do consumidor.
No caso de rescisão de contrato de compromisso de compra e venda de imóvel ocorrida por culpa do consumidor, o padrão-base da retenção pela construtora é 25% dos valores já pagos.
A 2ª Seção do STJ, no julgamento do Resp 1.723.519/SP, em 28/08/2019, de relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti, reafirmou a “orientação pela adoção de um padrão-base de cláusula penal — retenção de 25% dos valores pagos — nos casos de desistência imotivada pelo comprador de imóvel, em que o acórdão recorrido não menciona qualquer circunstância específica apta a justificar a redução do parâmetro jurisprudencial, isto é, aquém do percentual de 25%.
Contudo, é necessário analisar o contrato para verificar a existência de uma ou outra cobrança.
Fiz uma compra emocional, ainda assim posso desistir do negócio?
A resposta é sim, nesses caos, ficando demonstrada a venda emocional, com a disponibilização de marketing agressivo, bebida alcoólica e outros acessórios, o contrato poderá ser finalizado, entendimento já analisado pela Justiça:
Nesse outro processo, uma construtora foi condenada a devolver todas as parcelas, bem como a indenizar o consumidor em R$ 10 mil reais por danos morais, como se verifica:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL 0274388-18.2019.8.19.0001
APELANTE: GTR HOTÉIS E RESORT LTDA
APELADOS: CARINA PORCIÚNCULA COELHO
RELATOR: DES. CEZAR AUGUSTO RODRIGUES COSTA
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM REGIME DE MULTIPROPRIEDADE. SISTEMA DE USO EM TIME SHARING. ARREPENDIMENTO DO CONSUMIDOR. MARKETING AGRESSIVO. VENDA EMOCIONAL. RESOLUÇÃO DO CONTRATO POR CULPA DO VENDEDOR. DANO MORAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELO DA RÉ. Resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel em regime de multipropriedade e sistema de uso em time sharing. A aquisição se deu mediante venda emocional, usual prática de abordagem de turistas em momentos de lazer em que preposto da empresa vendedora promete uma vantagem sob a condição de os abordados assistirem palestras publicitárias do empreendimento, onde permanecem tempo suficiente sendo constrangidos por agressivo marketing, comprando por empolgação. Direito ao arrependimento, com o desfazimento do negócio por culpa de vendedor, por ofensa aos artigos 30 e 31 do CDC. A restituição das parcelas pagas deve ocorrer integralmente. Tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1300418/SC, em recurso repetitivo. Enunciado 543 da súmula da mesma Corte. Quanto à restituição de condomínio e IPTU, previstos como encargo do comprador, levando em conta o prolongamento do acordo e a ausência de irresignação durante o período, evidencio a responsabilidade da promitente compradora pelo pagamento das despesas, motivo pelo qual a sentença deve ser reformada no sentido de improcedência do pedido. O simples inadimplemento contratual não enseja, por si só, o reconhecimento de dano extrapatrimonial, entretanto, reconheço como dano moral in re ipsa a angústia da consumidora no momento em que sofreu as estratégias de marketing agressivo, que culminaram na venda emocional. Razoável a compensação pela quantia de R$10.000,00 (dez mil reais) fixada no primeiro grau.
Atraso na Entrega do Imóvel
Todo contrato dispõe sobre o prazo de construção, bem como o marco inicial, e o consumidor precisa ficar atento.
Ainda existe a possibilidade do prazo de tolerância, que pode ser de até 180 dias, sendo que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), já entendeu que ele é válido, entendimento, inclusive, utilizado pelos Tribunais Pátrios, como verificamos no Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
O prazo contratual de tolerância de 180 dias na entrega de obras da construção civil é legal, desde que não ultrapassado, pois já contempla uma dilação que deve ser apta à solução de imprevistos inerentes à atividade.”
Acórdão 1181150, 07225508020178070001 – TJDFT, Relator: GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 26/6/2019, publicado no DJE: 2/7/2019.
Ou seja, ocorrendo atraso superior ao prazo de tolerância, a Justiça já entende que existe o direito do consumidor a rescisão com a devolução atualizada de todo o valor pago.
Vejamos como o Judiciário vem decidindo:
APELAÇÃO CÍVEL – COMPRA E VENDA DE COTA CONDOMINIAL EM REGIME DE MULTIPROPRIEDADE – RESCISÃO – ATRASO NA ENTREGA – CULPA DA VENDEDORA – RETENÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. O atraso na entrega das obras por prazo superior a 180 dias de prorrogação admitidos pela jurisprudência representa descumprimento contratual a ensejar a rescisão do pacto. Declarada a rescisão contratual por culpa da vendedora é indevida a retenção de qualquer parcela paga, seja a título de multa compensatória ou de sinal. O mero inadimplemento contratual não enseja o dever de indenizar a título de dano moral. Nas demandas condenatórias, os honorários de sucumbência devem ser fixados em percentual entre 10% a 20% sobre o valor da condenação. Tratando-se de demanda de baixa complexidade e considerando o valor da condenação, a fixação dos honorários sucumbenciais no percentual mínimo revela-se adequada e deve ser mantida. Recursos desprovidos.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.21.034367-9/001 – COMARCA DE BETIM – APELANTE (S): DIONATAS REZENDE GONCALVES, ILHAS DO LAGO INCORPORACAO SPE – LTDA – APELADO (A)(S): DIONATAS REZENDE GONCALVES, ILHAS DO LAGO INCORPORACAO SPE – LTDA, WPA – ADMINISTRACAO DE EMPREENDIMENTOS S/C LTDA – ME
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 20ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento aos recursos.
DES. MANOEL DOS REIS MORAIS
RELATOR.
Segundo o Julgado, a Construtora foi condenada a devolver todo o valor pago pelo consumidor.
No contrato diz que o foro do processo é na própria cidade do empreendimento, mas eu moro em outro estado, posso fazer algo?
Essa é uma dúvida muito comum, já que, quase sempre, esses imóveis se localizam em cidade e estado diverso do domicilio do consumidor, tornando, em tese, qualquer processo mais difícil, mas na prática, a história é outra.
O consumidor pode demandar a vendendora do empreendimento (Construtora/Incorporadora), no seu próprio domicílio.
O STJ entende que a cláusula que estipula a eleição de foro em contrato de adesão tem interpretação restritiva, como se verifica:
“O fato de se tratar de contrato de adesão não é suficiente, por si só, para modificar o foro contratualmente eleito, sendo imprescindível, portanto, que fique configurada a dificuldade de acesso da parte ao Poder Judiciário ou a hipossuficiência, o que não ocorreu”. REsp 1.675.012
Ademais, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu artigo 101, estipula:
Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas:
I – a ação pode ser proposta no domicílio do autor;
Assim, é possível protocolar o processo no próprio domicílio do Autor.
Preciso buscar a Justiça para exigir esses direitos?
Os direitos do consumidor em situações envolvendo a rescisão do contrato de compra de imóvel em regime de multipropriedade são previstos por lei e devem fazer parte do contrato. Nesse sentido, na teoria, basta exigi-los diretamente da incorporadora.
Mas sabendo como as coisas são de fato, o cumprimento desses direitos pode ser dificultado se não ocorrer a presença de um advogado.
Já presenciei situações onde o consumidor negociou diretamente com as empresas, e após análise, verifiquei que a negociação havia sido irregular e carregada de vícios, ou seja, o consumidor havia ficado no prejuízo, e não foi uma única vez, foram várias vezes.
Nessa situação, ingressar com uma ação judicial costuma ser a única alternativa do consumidor para se esquivar de práticas abusivas.
Como ajuizar uma ação contra a empresa responsável?
Para ajuizar a ação, é recomendável buscar a orientação de um advogado com atuação na defesa do consumidor no mercado imobiliário. Além disso, é importante reunir documentos que comprovem o ocorrido.
O consumidor pode utilizar:
– contrato firmado com a construtora;
– as notificações do atraso na entrega da obra;
– comprovantes de despesas geradas pela situação;
– conversas e e-mails trocados com a incorporadora.
O Escritório Geofre Saraiva Sociedade Individual de Advocacia tem vasta experiência no setor de Direito Imobiliário.
O contato pode ser feito através do site (http://www.geofre.com.br) , telefone ( 86 – 3011 – 1889) ou WhatsApp (https://wa.me/5586999811889)