A compra do imóvel envolve uma série de fatos que necessitam extremada atenção, e nesse texto, quero trazer uma situação relativamente comum, que é quando o vendedor não recebe o dinheiro completo da venda do imóvel.
É possível comprar imóvel por meio do financiamento bancário, onde, após ocorrer a analise e aprovação do crédito, o vendedor, leia-se antigo proprietário, já recebe o seu valor, mas também existem aqueles casos onde o comprador paga diretamente ao vendedor, a vista ou em prestações mensais.
Quando isso ocorre, é costumeiro que o comprador já fique na posse do imóvel tão logo comece a pagar, ainda que não quite o pagamento, e é aqui que começam os problemas, os detalhes.
Afinal, o que fazer quando o comprador não cumpre o acordado e deixa de pagar as parcelas?
1.Caso tenha interesse em manter o contrato – Cobrar o débito judicialmente
Considerando que o vendedor pretenda manter o contrato ativo, é possível processar o comprador, seja por meio de um processo de cobrança ou de execução.
Dependendo do contrato, é possível incluir multa, honorários advocatícios, juros, etc., por isso que eu chamo a atenção para a necessidade de um contrato bem redigido.
Vejamos o que informa o Código Civil:
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.
E esse é o fundamento do processo de cobrança, que tem como objetivo cobrar uma dívida de alguém.
É possível também, já protocolar direto um processo de execução, sendo o principal diferencial para a ação de execução, ausente na ação de cobrança, é a existência um título executivo, seja judicial ou extrajudicial.
Sobre os títulos, eles podem ser judiciais, como se verifica no art.515/CPC:
Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título:
I – as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa;
II – a decisão homologatória de autocomposição judicial;
III – a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza;
IV – o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal;
V – o crédito de auxiliar da justiça, quando as custas, emolumentos ou honorários tiverem sido aprovados por decisão judicial;
VI – a sentença penal condenatória transitada em julgado;
VII – a sentença arbitral;
VIII – a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;
IX – a decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequátur à carta rogatória pelo Superior Tribunal de Justiça.”
Ou extrajudiciais, como se verifica no art.784/CPC:
Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
I – a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;
II – a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor;
III – o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas;
IV – o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal;
V – o contrato garantido por hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito real de garantia e aquele garantido por caução;
VI – o contrato de seguro de vida em caso de morte;
VII – o crédito decorrente de foro e laudêmio;
VIII – o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio;
IX – a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;
X – o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas;
XI – a certidão expedida por serventia notarial ou de registro relativa a valores de emolumentos e demais despesas devidas pelos atos por ela praticados, fixados nas tabelas estabelecidas em lei;
XII – todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.”
- Caso tenha interesse em manter o contrato – Enviar uma notificação extrajudicial de cobrança para o comprador
Considerando que o vendedor não tem a intenção de processar nesse momento, objetive a via amigável, é possível enviar uma notificação extrajudicial de cobrança.
Na notificação, deve constar o valor atualizado débito e a conta bancária para que ocorra o pagamento, bem como o prazo.
Recomendo o envio via Sedex com AR e/ou por meio de plataforma eletrônica, pois assim, você conseguirá ter o comprovante do documento e do envio.
3.Caso queira rescindir o contrato – Possibilidade de pedir o imóvel de volta
Essa é a hipótese conhecida como rescisão do contrato.
Antes de exercer essa faculdade, é extremamente importante analisar o caso concreto, para saber quem deu causa ao encerramento do contrato.
A questão da culpa é importante, no sentido que ela vai balizar indenização, taxa de fruição, multa do contrato, entre outros detalhes.
O principal ponto que deve ser verificado, é se ocorreu ou não o Adimplemento Substancial.
O princípio do adimplemento substancial, fundamentado na boa-fé objetiva, afasta a resolução do negócio quando o cumprimento foi realizado em grande monta, de modo substancioso, ou seja, se a parte inadimplida é mínima em relação ao todo, ou seja, se o contrato estiver com elevado percentual pago, o comprador poderá se valer dessa tese para impedir o encerramento abrupto do contrato.
Por isso que eu trago alguns julgados sobre o tema, ou seja, como a Justiça vem entendendo esse ponto, vejamos:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA APELAÇÃO CÍVEL – COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL – RESCISÃO POR CULPA DO COMPRADOR – REDISCUSSÃO – EMBARGOS REJEITADOS. Inexistência de contradição, omissão, obscuridade ou erro material na decisão embargada. Pretensão de efeitos infringentes em sede de embargos declaratórios que se mostra descabida, porquanto visa à rediscussão do julgado. Tribunal de Justiça do Mato Grosso TJ-MT: 1020879-07.2020.8.11.0041 MT
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO. TESE DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. NÃO ACOLHIMENTO. RECURSO DA PARTE BENEFICIADA. PRELIMINAR.FALTA DE INTERESSE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO. MÉRITO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CULPA EXCLUSIVA DO PROMISSÁRIO COMPRADOR. RESCISÃO DO CONTRATO E RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. TERMO INICIAL.
De acordo com o art. 996 do CPC, a parte recorrente tem o dever de demonstrar o seu interesse recursal, o qual deve ser aquilatado, sempre, em observância a satisfação do binômio utilidade/necessidade do provimento jurisdicional solicitado, sob pena de não conhecimento do recurso. Nos casos de rescisão do contrato de promessa de compra e venda de imóvel, sem que exista culpa da promitente vendedora, a correção monetária das parcelas pagas, para efeitos de restituição, incide a partir de cada desembolso e os juros de mora incidem a partir do trânsito em julgado da decisão.APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.11.181810-0/001 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – APELANTE (S):MASSA FALIDA DE HABITARE CONSTRUTORA E INCORPORADORA SA – APELADO (A)(S): ESPÓLIO DE GUILHERME DUARTE EUZÉBIO, SUZANA ABDALLA FONTENELLE
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – RESCISÃO POR CULPA DO PROMITENTE COMPRADOR – INADIMPLEMENTO DAS PARCELAS CONTRATUAIS – RETORNO DOS CONTRATANTES AO STATUS QUO ANTE – RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS PELO PROMITENTE COMPRADOR – DECORRÊNCIA LÓGICA E NECESSÁRIA DA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE RESCISÃO CONTRATUAL – INDENIZAÇÃO PELO PERÍODO DE OCUPAÇÃO INDEVIDA AO PROMITENTE VENDEDOR – POSSIBILIDADE – VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Rescindido contrato de promessa de compra e venda de imóvel, impõe-se o retorno dos contratantes ao status quo ante, com a retomada do imóvel pelo promitente vendedor e devolução dos valores a ele pagos pelo promitente comprador, cuidando-se de decorrência lógica e necessária do desfazimento do negócio, cujo implemente independe de expresso pedido das partes a respeito. 2. Havendo rescisão do contrato por culpa do promitente comprador imitido na posse do bem quando da celebração do negócio, é cabível a compensação indenizatória pela fruição do imóvel sem a entrega de contraprestação, sob pena de enriquecimento imotivado.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO – PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO – RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0013179-36.2016.8.11.0041 – CLASSE 198 – CNJ – COMARCA DE CUIABÁ
Sobre o adimplemento substancial, eu já verifiquei julgados onde ele foi desconsiderado, contudo, o vendedor deve devolver os valores pagos pelo comprador, podendo descontar a multa e taxa de fruição do imóvel, como se fosse um aluguel pelo tempo do uso, de forma a evitar enriquecimento sem causa.
Segue julgado exemplificativo:
APELAÇÃO – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL – INOCORRÊNCIA – Induvidoso o teor e a incidência do Decreto-lei n. 911 de 1969, cuja interpretação foi sedimentada, com inafastável eficácia persuasiva, pelo C. Superior Tribunal de Justiça. Decreto-lei de constitucionalidade pacificada pelos Tribunais, restando inaplicável a tese de adimplemento substancial, mormente se o próprio devedor afirma ter quitado apenas 60% do valor do contrato. RECURSO PROVIDO (TJ-SP -AC: 1028967-65.2015.8.26.0405, Relator: Maria Lúcia Pizzotti. Data de julgamento: 13/03/2019, 30ª Câmara de Direito Privado. Data de Publicação: 15/03/2019).
Desse modo, entendo que a análise do adimplemento ou não, deve ser feita caso a caso.
3.1.O procedimento ideal a ser feito
Caso o vendedor esteja com o entendimento formado pela rescisão do contrato, deve-se analisar:
– Existe adimplemento substancial?
– O contrato prevê multa para quem deu causa a rescisão?
– O contrato prevê cobrança da taxa de fruição (uso do imóvel) enquanto esteve na posse do comprador?
– Quem vai pagar ou ressarcir a despesa com a corretagem?
Entendo que a pessoa que deu causa, e nesse caso, falando que não houve o pagamento correto por parte do vendedor, temos que ele deve suportar todos esses encargos, afinal, o contrato não se concluiu por culpa deste.
Nesse julgado, foi autorizada a retenção de 20% do valor pago, como se verifica:
APELAÇÃO. Ação de Rescisão Contratual cumulada com Reintegração de Posse. Promessa de Compra e Venda. Sentença de procedência.Inconformismo. Pagamentos realizados que perfaz em pouco mais de 65% (sessenta e cinco por cento) do valor total do Contrato. Adimplemento substancial não caracterizado. Rescisão contratual decretada com base no inadimplemento. Devolução de parcelas pagas. Perda da totalidade que não se justifica, sob pena de enriquecimento indevido dos Autores. Devolução determinada, descontados 20% (vinte por cento) dos valores pagos a título de indenização por despesas administrativas e compensação pela ocupação do Imóvel. Inteligência das Súmulas nºs. 1, 2 e 3 deste Egrégio Tribunal de Justiça. Sentença parcialmente reformada. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS para determinar a devolução dos valores pagos, numa única parcela, descontados 20% (vinte por cento) a título de compensação pelo tempo de ocupação gratuita do Bem e indenização pelas despesas administrativas, mantidos os ônus inerentes à sucumbência. (TJ- SP – 4001472-27.2013.8.26.0223, Relator: Penna Machado, Data de julgamento: 11/02/2020, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/02/2020).
Eu entendo ainda, que exista a possibilidade de aplicação da multa disposta no contrato, ora, se vale para o vendedor, também vale para o comprador.
Por exemplo, estando o comprador em débito com o vendedor, e após o vendedor notificar, conceder prazo e ainda assim, o comprador permanecer inerte, entendo que é possível manejar um processo de rescisão do contrato, ocasião onde o vendedor vai devolver o valor pago, descontando a taxa de corretagem, a taxa de fruição, que deve ser apurada entre 0,5% a 1% do valor do imóvel, por mês de uso, honorários de sucumbência de custas judiciais, ao final, o valor resultante deverá ser pago ao comprador.
A mera devolução do valor pago, sem o desconto dos itens acima, caracteriza um verdadeiro enriquecimento sem causa por parte do comprador, conduta que é vedada pelo bom senso e melhor direito.
4.Conclusão
É importante que o consumidor tenha atenção nesse momento, bem como o acompanhamento de perto por um profissional, para que não acumule prejuízos.
Eu sou Geofre Saraiva, advogado e atendo em todo o país, estou no instagramcomo @geofresaraiva (https://www.instagram.com/geofresaraiva)